terça-feira, 1 de setembro de 2015

Ultrassonografia
A sala estava gelada. Depois de uma hora de espera, estava na hora. As mãos de Mariana suavam, ela apertou as pernas. A enfermeira pediu que fosse ao banheiro, tirasse a calcinha e aguardasse na salinha de espera. Aquelas paredes brancas causavam agonia e o cheiro de éter e álcool eram nauseantes. Mariana jamais gostou de hospitais. Para ela, eles eram como uma caixa de Pandora. Uma vez aberta, não havia como voltar atrás, todos os males do mundo a perseguiriam. Quando era adolescente e perguntavam qual seria sua carreira, sempre respondia que seria qualquer coisa que não envolvesse gente morta e, principalmente, seria qualquer coisa que não envolvesse gente viva.
Duas senhoras entraram na salinha de espera, Mariana fechou ainda mais as pernas e escorregou para a ponta da cadeira. Sua xoxota desnuda estava congelando naquela saleta que mais parecia o Polo Norte. Sorriu para as senhoras e pediu ao universo que ninguém reparasse que estava sem calcinha. “Dane-se” – pensou – “Todo mundo está aqui para a mesma coisa”. E sorriu mais uma vez para as senhoras. Elas sorriram de volta.
Mariana já havia feito vários exames de rotina antes, aquela não seria a primeira vez. Todo ano ia à ginecologista verificar como andava a saúde de sua vagina.  Enquanto esperava, pensou que aquela era uma palavra da qual não gostava. Achava formal, fria. Não conseguia olhar sua bela flor de lótus no espelho e dizer: “Olá, vagina”. Preferia xoxota, buceta, periquita ou talvez até pepeca, mas esse apelido soava infantil demais. Ficou por alguns minutos imersa em seus devaneios vaginais, precisava se distrair com alguma coisa, não queria pensar que em poucos minutos estaria em um consultório frio com uma completa desconhecida observando os confins do seu útero.
A enfermeira sorridente saiu do consultório e chamou seu nome. Mariana levantou da cadeira tentando parecer calma e confiante. “É apenas um exame” – refletiu consigo mesma – “Já fiz isso várias vezes”. Arreganhou a boca em dentes amarelos, entrou no consultório e tentou ser simpática. “Boa tarde” – disse à médica. Esta sorriu tranquila, já havia feito aquilo mais de cem vezes só naquela semana.
Mariana se sentiu num encontro fadado ao fracasso. Para a médica poderia ser a centésima xoxota semanal, no entanto, para ela era estranho abrir as pernas assim do nada, sem nem um encontro formal, sem nem um papo, sem sequer uma cervejinha no bar. Seus joelhos tremeram. Ela sentou na maca e sentiu o frio do colchão ir direto ao encontro da sua bunda. Respirou fundo. A enfermeira simpática pediu que deitasse, chegasse o corpo bem para frente e acomodasse as duas pernas nos suportes.
Mariana fez o que a moça pediu e pensou que era possível fazer uma panorâmica de sua vagina de tanto que suas pernas estavam abertas. A enfermeira, então, pegou um pênis gigante de plástico e uma camisinha fechada e mostrou a Mariana, que engoliu seco. Calmamente, a mulher abriu a camisinha, enfiou no objeto fálico e deu nas mãos da médica. Esta, alheia ao sofrimento de Mariana, mantinha um rosto blasé, fazia perguntas rotineiras e enchia o pênis mecânico de lubrificante.
Mariana observava aquilo tentando relaxar, estava se sentindo virgem de novo, sua xoxota estava trancada e seu coração palpitava. Estava a ponto de dizer: “Deixa isso pra lá, moça. Com a minha ginecologista, tudo bem, temos intimidade, mas com você... nem te conheço, nem batemos um papinho”.  Até que, de repente, sem nem ao menos uma olhadela, a médica introduziu nela o temido pau da ultrassonografia. Mariana sentiu o lubrificante gelado se espalhando até o fundo de seu âmago, enquanto a médica tagarelava sobre como adorava hospitais e sobre como, caso não tivesse seguido a medicina, teria sido professora de história.
O pênis mecânico vasculhava todos os cantinhos do sistema reprodutor de Mariana e ela olhava a tela do aparelho de ultrassonografia sem conseguir dizer o que eram as machas pretas e brancas. Não seria capaz de dizer onde estavam seus ovários. Em meio às amenidades, a médica disse a Mariana que seu útero era muito bonito. Mariana não tinha ideia do que isso queria dizer, mas agradeceu e até relaxou um pouco. Afinal, seu útero, além de funcional e de estar fazendo bem seu trabalho até aquele momento, também era bonito.
O procedimento acabou e a médica disse a Mariana que a ultra estaria pronta em uma semana. Mariana suspirou e se levantou da maca. Suas coxas se encheram de lubrificante gosmento. Ela pensou que tudo bem. Iria ao banheiro, limparia tudo e colocaria a calcinha com dignidade. Se tudo desse certo, só veria a médica novamente no próximo ano.  Saiu do consultório, havia sobrevivido. Sorriu. Apesar de tudo, finalmente ela havia descoberto, seu útero era lindo. Sentiu um profundo orgulho.



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