Ultrassonografia
A sala estava gelada.
Depois de uma hora de espera, estava na hora. As mãos de Mariana suavam, ela
apertou as pernas. A enfermeira pediu que fosse ao banheiro, tirasse a calcinha
e aguardasse na salinha de espera. Aquelas paredes brancas causavam agonia e o
cheiro de éter e álcool eram nauseantes. Mariana jamais gostou de hospitais. Para
ela, eles eram como uma caixa de Pandora. Uma vez aberta, não havia como voltar
atrás, todos os males do mundo a perseguiriam. Quando era adolescente e
perguntavam qual seria sua carreira, sempre respondia que seria qualquer coisa
que não envolvesse gente morta e, principalmente, seria qualquer coisa que não envolvesse
gente viva.
Duas senhoras entraram na
salinha de espera, Mariana fechou ainda mais as pernas e escorregou para a
ponta da cadeira. Sua xoxota desnuda estava congelando naquela saleta que mais
parecia o Polo Norte. Sorriu para as senhoras e pediu ao universo que ninguém
reparasse que estava sem calcinha. “Dane-se” – pensou – “Todo mundo está aqui
para a mesma coisa”. E sorriu mais uma vez para as senhoras. Elas sorriram de
volta.
Mariana já havia feito
vários exames de rotina antes, aquela não seria a primeira vez. Todo ano ia à
ginecologista verificar como andava a saúde de sua vagina. Enquanto esperava, pensou que aquela era uma
palavra da qual não gostava. Achava formal, fria. Não conseguia olhar sua bela
flor de lótus no espelho e dizer: “Olá, vagina”. Preferia xoxota, buceta,
periquita ou talvez até pepeca, mas esse apelido soava infantil demais. Ficou
por alguns minutos imersa em seus devaneios vaginais, precisava se distrair com
alguma coisa, não queria pensar que em poucos minutos estaria em um consultório
frio com uma completa desconhecida observando os confins do seu útero.
A enfermeira sorridente
saiu do consultório e chamou seu nome. Mariana levantou da cadeira tentando
parecer calma e confiante. “É apenas um exame” – refletiu consigo mesma – “Já
fiz isso várias vezes”. Arreganhou a boca em dentes amarelos, entrou no
consultório e tentou ser simpática. “Boa tarde” – disse à médica. Esta sorriu
tranquila, já havia feito aquilo mais de cem vezes só naquela semana.
Mariana se sentiu num
encontro fadado ao fracasso. Para a médica poderia ser a centésima xoxota
semanal, no entanto, para ela era estranho abrir as pernas assim do nada, sem
nem um encontro formal, sem nem um papo, sem sequer uma cervejinha no bar. Seus
joelhos tremeram. Ela sentou na maca e sentiu o frio do colchão ir direto ao
encontro da sua bunda. Respirou fundo. A enfermeira simpática pediu que
deitasse, chegasse o corpo bem para frente e acomodasse as duas pernas nos
suportes.
Mariana fez o que a moça
pediu e pensou que era possível fazer uma panorâmica de sua vagina de tanto que
suas pernas estavam abertas. A enfermeira, então, pegou um pênis gigante de
plástico e uma camisinha fechada e mostrou a Mariana, que engoliu seco.
Calmamente, a mulher abriu a camisinha, enfiou no objeto fálico e deu nas mãos
da médica. Esta, alheia ao sofrimento de Mariana, mantinha um rosto blasé,
fazia perguntas rotineiras e enchia o pênis mecânico de lubrificante.
Mariana observava aquilo
tentando relaxar, estava se sentindo virgem de novo, sua xoxota estava trancada
e seu coração palpitava. Estava a ponto de dizer: “Deixa isso pra lá, moça. Com
a minha ginecologista, tudo bem, temos intimidade, mas com você... nem te
conheço, nem batemos um papinho”. Até
que, de repente, sem nem ao menos uma olhadela, a médica introduziu nela o
temido pau da ultrassonografia. Mariana sentiu o lubrificante gelado se
espalhando até o fundo de seu âmago, enquanto a médica tagarelava sobre como
adorava hospitais e sobre como, caso não tivesse seguido a medicina, teria sido
professora de história.
O pênis mecânico
vasculhava todos os cantinhos do sistema reprodutor de Mariana e ela olhava a
tela do aparelho de ultrassonografia sem conseguir dizer o que eram as machas
pretas e brancas. Não seria capaz de dizer onde estavam seus ovários. Em meio
às amenidades, a médica disse a Mariana que seu útero era muito bonito. Mariana
não tinha ideia do que isso queria dizer, mas agradeceu e até relaxou um pouco.
Afinal, seu útero, além de funcional e de estar fazendo bem seu trabalho até
aquele momento, também era bonito.
O procedimento acabou e a
médica disse a Mariana que a ultra estaria pronta em uma semana. Mariana
suspirou e se levantou da maca. Suas coxas se encheram de lubrificante
gosmento. Ela pensou que tudo bem. Iria ao banheiro, limparia tudo e colocaria
a calcinha com dignidade. Se tudo desse certo, só veria a médica novamente no
próximo ano. Saiu do consultório, havia
sobrevivido. Sorriu. Apesar de tudo, finalmente ela havia descoberto, seu útero
era lindo. Sentiu um profundo orgulho.
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