segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Não sei se gosto tanto assim de Fernando Pessoa, essa é a boa da verdade. Tive uma aula de literatura portuguesa que não plantou a sementinha de Pessoa no meu coração. Além disso, Pessoa era reaça. Eu sei que não posso misturar a aura poética com a aura política, mas às vezes é difícil. Se bem que Borges era reaça e, ainda assim, adoro os livros dele. Enfim, fiz esse mini conto ou pequena reflexão, porque precisava de uma nota em literatura portuguesa. Espero que esteja agradável.

Desassossego

Acordei com uma mão nos meus cabelos e meus olhos se abriram devagar ainda saindo da vigília. Olhei para o dono das mãos e vi Pessoa. Seu rosto estava sereno em meio aos óculos, aos olhos castanhos e ao bigode grosso e escuro. Seu chapéu preto e característico jazia ao seu lado na cama. Tinha uma pena e um caderno nas mãos. Pensei em dizer alguma coisa, mas emudeci frente aquela presença. Tinha tantas falas na cabeça, tantas coisas para perguntar e minha voz simplesmente não saia, só conseguia olhar sem palavras a face do escritor. Queria lhe dizer da minha solidão e dos seus livros que preenchiam as minhas noites, seus livros longos e tormentosos, porém belos. Seus livros tão seus e dos seus outros, críticos de si mesmo. Queria dizer que eu tenho em mim todos os sonhos do mundo e que isso me move, mas também não me deixa dormir. Queria dizer um sem fim de frases, de sentenças bem formuladas, mas estas simplesmente não saiam, então, permaneci quieta e me deixei impregnar pela aura do poeta. Pessoa sorriu e apontou para a minha mesa de cabeceira. Olhei e lá estava meu exemplar do Livro do Desassossego com suas páginas desgastadas e amareladas pelo uso, ele era um reflexo de mim mesma, um mar de poesia e tormentas. Virei novamente para contemplar o rosto de Pessoa, mas ele não estava mais lá. Não importava. Fechei os olhos e me deixei inundar dos seus versos.