Aula de Português
Era uma noite quente de
primavera e o mormaço abafava toda a sala. O único ventilador do espaço girava
em sentido horário produzindo um zumbido irritante. Ao longe, uma voz
monocórdia se propagava pelo ar. O ritmo daquela voz lembrava o de uma missa cantada
em latim.
Sentado numa cadeira de
canto, o português se remexia num tédio sem fim e suspirava. Era como se
tivessem apagado suas palavras e destruído sua morfologia. Sua sintaxe não
fazia mais sentido e suas sentenças perdiam pouco a pouco a coesão e a
coerência. Os verbos se embaralhavam esmorecidos e sua entoação jazia pálida
como um cadáver no chão.
Ele coçou a cabeça
pensativo, seu corpo brigava com suas pestanas para que ele não dormisse. Nunca
na vida se sentira tão chato. Nem parecia mais aquela língua forte e cheia de
vigor dos poemas de Pessoa, dos romances de Machado, dos fluxos de consciência
de Clarice.
Lembrava nostálgico e
melancólico dos seus tempos de ousadia modernista. Seu coração pulsava com as
metáforas, com os coloquialismos, com as apropriações cinematográficas. Fora um
verdadeiro vanguardista e dera a cara à tapa aos críticos. Não se importava com
isso, queria ser a língua da inovação, queria vencer os arcaísmos.
Até na mesa de bar
seria mais feliz. Com toda a certeza! Mas naquela sala de luz azulada da
universidade suas bochechas em forma de “p” perdiam a vivacidade e a figura do
professor o aborrecia. Como aquela criatura era capaz de fazer dele uma coisa
tão insuportável e opressora? Pensou o
português. Nem na gramática normativa ele se sentia tão chato e monótono quanto
naquela voz docente.
O relógio na parede
bateu nove horas e a aula chegou, enfim, ao seu término. Todos saiam
apressados e o português levantou sorumbático da cadeira. Não queria conversar
com ninguém, queria se esconder no dicionário de tanta vergonha. Caminhou até a
porta da sala e num passo abatido se arrastou pelo corredor.
De repente, em meio ao
silêncio dos seus pensamentos, um súbito ânimo invadiu seu corpo. Ouvira uma
música linda de Chico saindo de um celular e vira em cartazes palavras da
língua portuguesa clamando pela revolução. Seu coração se aqueceu de fonemas
dançantes. Um grito de alegria se agitou em sua garganta. Não era o
grandessíssimo chato que o professor o fizera parecer. Era a língua de Camões,
afinal! Era língua de obras primas, língua de Graciliano, língua inventada e
reinventada, era língua viva. Ergueu-se, então, sobre os dois pés, apoiou-se
nas letras, declamou um poema e saiu saltitante. Ainda tinha muito o que fazer.