terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Um dia cheguei à cidade bem mais tarde que o normal e eu estava sozinha. Da minha solidão e da minha caminhada fiz uma história. Leiam, apreciem, ou não. Boa noite na cidade.


Madrugada na cidade
Cheguei e era quase manhã, o ônibus havia me deixado no pior lugar possível. Seis meses fazendo o mesmo caminho, seis meses sem sextas feiras, sem noites de Lapa, sem minha cidade carioca querida abençoando minhas farras, andanças, cortejos e bebedeiras. E eu ainda conseguia perder a parada. Viajei sozinha desta vez e peguei o ônibus de horário diferente. Desci no lugar errado, no meio de uma ponte sem calçada, onde carros passavam tinindo. Sai cambaleante, com o sono tragando minhas pernas, uma mochila pesada nas costas, e senti o ar das cinco batendo no meu rosto. A acanhada cidade me recebia com uma mistura de silêncio, calor e nostalgia.
Por mais que aquela rota já me fosse conhecida, havia algo mágico no ar. Era como se os espíritos do pequeno cemitério citadino me acompanhassem, brincando com meus sentimentos, brincando com o fim de noite e com a minha solidão. Uma solidão combinada com pensamentos. Eu não me sentia triste, nem com necessidade de companhia, eu me sentia livre. Ninguém me conhecia, as ruas estavam vazias, e eu podia apenas observar e imergir nas minhas próprias reflexões.
Caminhei como uma criança que vê a pracinha pela primeira vez. Senti os ares da cidade, observei as casinhas bem decoradas da vizinhança, reparei em cada detalhe dos jardins. Contemplei o céu tomado pelas estrelas que se curvavam à rainha lua e me senti feliz por ser olhada por aquela que, em todo mundo, ilumina os amados e os amantes. Percebi um senhor varrendo a calçada e, diante de algo tão comum, me vi consumindo com os olhos aquela imagem, como se fosse algo novo e inacreditável.
Olhei o cemitério, o qual se localizava numa inclinação. Passei o olhar nos túmulos simples projetados para a rua, nas paredes descascadas e no portão gradeado, azul e velho. Pensei em tudo o que aquele portão já teria visto. As velas, os abraços, os consolos, as flores tristes e apagadas, os olhos apagados, os olhos lacrimosos, as despedidas tão difíceis. Lembrei de como é difícil dizer adeus e uma lágrima quente desceu pelo meu rosto. Desanuviei minha mente da tristeza repentina, sorri e lembrei que os olhos que vêem a morte, também vêem a vida nascendo e renascendo todos os dias.
O fim do meu caminho se aproximava e eu andava cada vez mais devagar para prolongá-lo, então percebi que, em meio a minha ânsia de correr, de trabalhar, de ir embora, nunca havia notado verdadeiramente aquela cidade. No entanto, com a madrugada se transformando em raiar matutino, com a hora que passava tranquila, enquanto eu seguia minha marcha pelo pequeno deserto urbano, fui devorada pelo cotidiano daquelas alamedas, pelo cotidiano daquelas pessoas que eu não via, mas que podia imaginar, e pela vida latente no silêncio da alvorada. Naquele momento, éramos apenas eu e a cidade. Não havia dor, nem mágoas, nem choros, nem perdas, nem memórias de um passado triste, somente um diálogo silente e compreensivo entre mim e o que se apresentava ao meu redor. Ali, descobri um pouco mais do mundo e, certamente, descobri um pouco mais de mim.