segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Esse conto é uma tentativa de experimentação no meu modo de narrar histórias e de usar a linguagem. Experimentar na literatura faz parte. Estou tentando.

Margareth
Ele escreveu em linhas duras. Não é que eu não quero te ver, Margareth. Não me entenda mal. Ela chorou um choro descabido. Eram lágrimas já quase secas. Estavam cansadas de tanto serem jogadas às bolsas negras embaixo dos olhos. Não é que eu não quero te ver, Margareth. Merda, Carlos, que desculpa estúpida. São sempre os astros que colaboram para os desencontros e não as vontades humanas. Eles são o bem que eu queria, mas... Estava cansada do é que... Nem só de dúvidas se pode encher um coração que pulsa solitário. É que se foda!
Os dias estavam passando desse mesmo jeito, quadros exatamente iguais. O mesmo tira e põe roupa toma banho sai correndo come um iogurte com aveia pra dizer que está saudável vai pra academia pega ônibus cheio em pé. Os amigos disseram que ela tinha emagrecido. Como foi rápido! Rápido pra você que não corre uma hora por dia. Que saco! Pelo menos as roupas cabiam. O corpo são não refletia uma mente sã, no entanto.
Esperava sempre as mensagens cinzas de Carlos. Elas eram como muros, mais os afastavam do que aproximavam. A última chegara às duas da manhã. Não respondeu. Fingiu que não viu. Pensou na cidade que não se importava com seus dramas de paixão burgueses, enquanto meninos de dez anos faziam malabares em sinais indiferentes e dormiam num chão frio aquecidos pela cola.
É que... quem se importa? A navalha das reticências sempre corta novamente as cicatrizes. Queria estar junto às pessoas na sarjeta! MENTIRA! Era mais fácil se comprazer com a dor na sua cama de casal confortável, no seu apartamento de classe média com comida na geladeira e vinhos variados. O sofrimento era a moda do momento. Quem sofremos mais?
Os prédios, as calçadas, o cheiro fétido de urina que evapora do chão, eles não ligam pra você, Margareth! E quanto a mim? Quantas vezes realmente ligo pra eles? Eu finjo que sim, finjo que sempre. Sou gente boa, intelectual-consciente. Mas no fundo... é que... no fundo, sou só mais uma pessoa entre sete bilhões, só mais uma cara carioca tentando parecer diferente. Óculos redondos livro de Clarice numa bolsa oldschool sapatos com estampa de bolinhas uma saia rodada pra combinar fechando com batom da estação e bicicletinha vintage.
Da Cidade Maravilhosa? Seus amigos gringos sempre perguntam. Samba blocos de carnaval bossa nova em Ipanema Copacabana CO-PA-CA-BA-NA! Oh yeah, baby! Praia, sol, mar e tiroteio. Voltou à mensagem de Carlos. Jogou o telefone no chão com toda força e nem o maldito vidro quebrou. Se estivesse distraída na rua, olhando os anúncios de consultas com búzios e cartas que prometem seu amor de volta em três dias, ele teria se estilhaçado. De volta, só queria o amor próprio.
Olhou na parede o cartão postal que havia trazido de Viena. REVENGE? NAH, I’M TOO LAZY. I’M GONNA SIT HERE AND LET THE KARMA FUCK YOU. I’ll sleep and let the karma fuck you. Foi dormir. O sono resolve seus problemas... ou não. De qualquer modo, aquele outro amanhã seria mais um dos amanhãs do ano que nunca acaba. Feliz ano velho, feliz dia novo, nada ainda mudou. E jogou o corpo no colchão macio.