quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Chá de bebê


Helena se viu hesitante, não sabia se realmente queria participar daquela festa. Pensou em deixar o presente na portaria com um bilhete explicando que precisava ir embora. Ela não conhecia absolutamente ninguém naquele lugar, a não ser o pai da criança. Suas mãos não paravam quietas e seu rosto estava contorcido pela dúvida. Seu corpo estava inundado de sensações estranhas e o desconforto fazia cócegas em sua barriga. Apesar disso, tomou fôlego e seguiu adiante. Não podia ficar plantada naquele sol escaldante de verão a tarde inteira.
“Oi, prazer, Helena. Sou amiga do Cadu”, disse à moça que veio recebe-la.
“Seja bem-vinda. Sou a Patrícia, esposa do Cadu”.
O rosto amável de Patrícia era ofuscado por sua barriga protuberante. Estava redonda como uma melancia e não demoraria muito até que o bebê nascesse. Helena tentou retribuir o sorriso simpático. Era a primeira vez que via a esposa de Cadu pessoalmente. Ainda nem havia conseguido processar o fato de que o amigo, famoso por suas histórias de infidelidade, seria pai. Ela se sentia mal comungando daquela felicidade, sabendo que Cadu, ao mesmo tempo em que havia engravidado a mulher, pensava ter engravidado também uma aluna. Suas pernas bambearam e ela respirou fundo.
Entregou o presente do bebê e foi caminhando lentamente para dentro do recinto. Sentiu uma necessidade urgente de um copo d’água e de um rosto conhecido. Sua cabeça martelava com o fato de que deveria ter levado alguém para acompanha-la.
“Por que me arrastei até aqui?”, pensou.
Viu Cadu à distância e se agarrou àquela figura como se ela fosse um bote salva-vidas. Só queria que a sensação de deslocamento total desaparecesse. Ele se aproximou cheio de sorrisos e a abraçou com toda força.
“Que bom que você veio! Como você tá?”
“Tô bem e você? E claro que eu vim, não perderia o chá de bebê da sua filha por nada.”
“Feliz que você tá aqui. Vou te apresentar às pessoas.”
O corpo de Helena foi tomado por uma mistura de alívio e ansiedade. Só queria conversar e fazer o tempo passar o mais rápido possível para poder sair daquele lugar. Cadu a apresentou a alguns amigos do trabalho e à sua irmã, que estava com o marido e com as duas filhas adolescentes. Eles perguntaram a Helena se ela não gostaria de se sentar com eles e, não tendo muitas opções, ela aceitou.
Todos eram muito simpáticos e faziam questão de puxar conversa. Helena se sentiu um pouco melhor, embora não tivesse muito em comum com aquelas pessoas. Ela respondia às perguntas e tentava manter um diálogo apoiando-se em assuntos banais. Falavam sobre comida, sobre o bebê que chegaria em breve, sobre suas profissões, sobre o calor do Rio de Janeiro, sobre qualquer banalidade que se encaixasse no momento.
Helena pensou em como Cadu e a irmã eram diferentes. A cor dos olhos, dos cabelos, o formato do rosto, o modo de falar, o carisma. Eles não eram parecidos de forma alguma. Talvez isso se desse pelo fato de que não compartilhavam o mesmo pai. Embora a irmã de Cadu não soubesse, o nascimento do irmão era fruto de uma traição. Sua mãe, nos idos de 1980, teve um caso com um homem casado e engravidou de um menino totalmente diferente de qualquer outro membro de sua família. O marido da mãe de Cadu, no entanto, aceitou o bebê como seu e nunca questionou a paternidade. Anos depois, quando Cadu ainda era criança, a mãe contou a ele toda a história de sua concepção, o que causou grandes traumas no menino. Mais alguns anos depois, Cadu contou tudo isso a Helena, enquanto os dois bebiam uma cerveja no bar.
Lembrando disso, ela observava a decoração da festa, observava todos os outros rostos que pareciam tão animados e pensava em como as famílias nunca são o que parecem ser. A luz do dia projetava sombras assimétricas embaixo das mesas de metal e Helena analisava suas formas e o modo como se entrelaçavam. Ao mesmo tempo, brincava com seu polegar esquerdo, cravando nele a unha do dedo indicador o mais forte que conseguia. O tédio era absurdo e reflexivo e, embora estivesse conversando com outras pessoas, não ouvia, de fato, o que diziam. Até que, sem mais nem menos, a irmã de Cadu disse:
“Você deve estar se perguntando por que minha filha mais nova não veio.”
Helena não tinha nem uma vaga ideia de que aquela mulher tinha uma filha mais nova, mas, de súbito, foi tomada pela curiosidade e falou:
“Não, não tô não. Mas por que ela não veio?
“Porque ela morreu”, respondeu a irmã de Cadu secamente.
Sem conseguir pensar duas vezes e tomada pelo estupor, Helena exclamou:
“Credo!”
O rosto do marido da irmã de Cadu estava lívido e seus olhos de desculpa encontraram os olhos petrificados de Helena. Ela não sabia o que dizer além do que havia dito, sua boca estava seca e muda. Sua garganta parecia inchada, ela queria engolir a própria saliva, mas não conseguia. Para aliviar a sensação de sufocamento, tomou um gole de água.
“Como um convite para um chá-de-bebê terminou em uma notícia de morte?”, ela se perguntava.
Diante do silêncio de Helena, a irmã de Cadu deixou que as palavras escorressem para o lado de fora. Toda a bile azeda provocada pela perda de um filho era vomitada no colo da amiga de Cadu, que recebia de modo impassível toda a história, cujo começo era um hospital e o fim um cemitério. Helena tremia da cabeça aos pés e sua mente foi tomada por um grande nada. Todas as palavras de conforto que gostaria de dizer simplesmente não soavam e caiam secas em sua língua. Como consolar o que é inconsolável?
Ela se recostou na cadeira e apertou os lábios trêmulos. Ao seu redor, ouvia o gargalhar distante de outros convidados. O marido e as filhas da irmã de Cadu pediam desculpas pela situação constrangedora e seus olhos se encheram de lágrimas. Era uma tragédia familiar que ainda não tinha acabado e que começara muito antes da morte daquela criança. O celular de Helena começou a tocar e ela voltou ao mundo dos vivos. Era a deixa pra sair dali. Ainda envolta na amarga ironia de receber uma notícia de óbito numa festa de celebração da vida, Helena se recompôs e disse que ia ao banheiro. Seus passos nunca foram tão firmes quanto no caminho para fora daquele lugar.  


quinta-feira, 21 de julho de 2016

Diante das atuais circunstâncias políticas, um poema concreto

#foratemer
GOVERNO
GOVERN
GOVER
GOVE
GOV
GO
G
GO
GOL
GOLP
GOLPI
GOLPIS
GOLPIST
GOLPISTA

Diante das atuais circunstâncias políticas, um poema concreto

GOVERNO
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quinta-feira, 3 de março de 2016

As crônicas são essenciais para que possamos aguentar nosso dia-a-dia pós-moderno. Em meio ao empilhamento de informações, descrito por Bauman, talvez, com essa escrita que fala da vida ao rés do chão, sejamos capazes de rir da nossa modernidade falida que se transformou em liquidez. Viva a crônica, viva o voyeurismo do cotidiano.

Causos de causa menor

Sempre odiei ir à academia. Acho um ambiente sufocante. Pessoas suadas, equipamentos que parecem de tortura, uma música eletrônica irritante, muita gente cheia de sorrisos dizendo que todo o esforço na esteira valerá a pena, olhos de desaprovação, narcisos admirando seu próprio reflexo no espelho e grunhindo coisas sem sentindo, discussões sobre dietas, shakes e sobre o quanto é importante perseguir seus objetivos e ter força, foco e fé. 
Todo o espaço e toda a dinâmica das academias se baseiam em dizer que você nunca terá um corpo bom o suficiente. Sempre é possível ser mais musculoso, mais magro, mais fitness, mais isso ou mais aquilo. 
No entanto, a contragosto e ao gosto de um corpinho que já está mais próximo dos trinta do que dos vinte, cedi a uma nova série de musculação. Como sempre, entrei na academia com um sorriso amarelo. Se pudesse, entraria como a mulher invisível. 
Ao chegar, acenei timidamente para as recepcionistas e disse bem baixinho, quase como se não quisesse ser ouvida, que tinha marcado um horário com a professora para refazer minha série. Uma moça simpática me disse que ela ainda não havia chegado. Respirei aliviada. Ainda teria dez minutos de folga antes que alguém começasse a escrutinar todo o meu corpo numa situação de puro desconforto. 
As perguntas de praxe eu já sabia: " por que você quer fazer musculação? Estética, necessidade, condicionamento ou velhice mesmo? Bebe? Fuma? Problemas com a família?" 
Talvez eu devesse sentar e discorrer sobre todas as minhas questões familiares. " Quando eu tinha dez anos, meu pai..." Mas eu estava na academia e não no analista. 
A professora chegou e tudo que eu previra aconteceu. Respondi as perguntas e tentei fazer uma piada para quebrar o gelo. Foi tão sem graça que tive vergonha de mim mesma. Decidi então me calar e apenas fazer o que me fosse mandado. 
"Começamos então com um aeróbico, ok? Qual você prefere?" Pensei um pouco e respondi que tudo bem, que poderíamos começar com a esteira, mas queria responder que tanto fazia. Afinal, eu não gostava de nenhum. 
"Do que, então, você gosta?", a professora perguntaria. Eu diria que de cinema, livros, exposições, de escrever e do momento em que termino o último exercício do dia e posso ir pra casa. Não sei se é a endorfina ou um hormônio qualquer, mas me sinto uma vencedora nesse momento. Fiz todos os exercícios do dia e posso, enfim, ficar em paz com os meus músculos doloridos. 
Caminhei desolada para a esteira mais escondida, coloquei os fones de ouvido e rezei para que uma música qualquer me animasse. Era o primeiro de uns doze exercícios que viriam pela frente. 
Talvez eu tivesse até mesmo que encarar um revezamento de aparelho e aí teria que manter um diálogo mínimo com alguém. Definitivamente não era algo que eu queria no meu primeiro dia de volta à musculação. 
Comecei a pensar em crases, em literatura, em deitar no chão da minha casa e observar o teto. Tentei esvaziar a cabeça e fazer dos vinte minutos de esteira um período de meditação. Não consegui. Minhas panturrilhas ardiam e todo meu corpo me lembrava dos anos de sedentarismo. Fosse o que fosse, eu jamais conseguiria ser um monge sobre a esteira. 
Os vinte minutos acabaram e mais uma hora e meia se seguiu. Fiz os execícios tentando sempre me esquivar das pessoas. No entanto, meus planos foram arruinados por um estagiário tagarela e de boas intenções. 
O rapaz era um amor, não posso negar. Mas ele não conseguia perceber o sofrimento nos meus olhos. Além disso, ele falava no diminutivo. Todas as vezes em que ele dizia para eu flexionar as perninhas, uma célula minha morria e eu me tornava ainda mais velha. Seus vinte e um anos me aborreciam e sua energia também. 
O constrangimento e o suor deixavam minhas bochechas da cor de maçãs primaveris. As posições também não eram nada agradáveis. É difícil manter uma conversa quando sua barriga está tão contraída que você mal consegue respirar. 
"Pelo amor de deus", pensei, " cala a boca". O rapaz continuou seu monólogo animado, apesar dos meus olhares de súplica. Eu mexia a cabeça para mostrar que estava escutando, não queria ser antipática. Mas a verdade que revirava meu estômago era que eu mal conseguia prestar atenção.Só queria que aquele garoto gentil e falante me deixasse terminar o maldito exercício e sofrer em paz. 
Uma moça veio e perguntou ao simpático estagiário se ele poderia ajudá-la. Dei um suspiro de alívio e sorri largamente tentando incentivá-lo a ir embora. Ele foi. Meu exercício acabou e levantei satisfeita. Mais uma batalha havia sido vencida. 
Prendi mais forte os cabelos que insistiam em se soltar e andei sorrateira até a porta da academia. Atravessei a catraca e saí. No dia seguinte, eu teria que fazer a mesma coisa, mas ainda faltavam vinte quatro horas até que o dia seguinte chegasse. Decidi aproveitar. 
Pensei, então, por um momento, que eu deveria ter me despedido do rapaz. Ele havia sido tão solícito. Todavia, sem despedidas, talvez ele achasse que eu nunca havia pisado ali. Talvez, sem o fato comprovado, eu nem sequer tenha existido numa academia.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Esse conto é uma tentativa de experimentação no meu modo de narrar histórias e de usar a linguagem. Experimentar na literatura faz parte. Estou tentando.

Margareth
Ele escreveu em linhas duras. Não é que eu não quero te ver, Margareth. Não me entenda mal. Ela chorou um choro descabido. Eram lágrimas já quase secas. Estavam cansadas de tanto serem jogadas às bolsas negras embaixo dos olhos. Não é que eu não quero te ver, Margareth. Merda, Carlos, que desculpa estúpida. São sempre os astros que colaboram para os desencontros e não as vontades humanas. Eles são o bem que eu queria, mas... Estava cansada do é que... Nem só de dúvidas se pode encher um coração que pulsa solitário. É que se foda!
Os dias estavam passando desse mesmo jeito, quadros exatamente iguais. O mesmo tira e põe roupa toma banho sai correndo come um iogurte com aveia pra dizer que está saudável vai pra academia pega ônibus cheio em pé. Os amigos disseram que ela tinha emagrecido. Como foi rápido! Rápido pra você que não corre uma hora por dia. Que saco! Pelo menos as roupas cabiam. O corpo são não refletia uma mente sã, no entanto.
Esperava sempre as mensagens cinzas de Carlos. Elas eram como muros, mais os afastavam do que aproximavam. A última chegara às duas da manhã. Não respondeu. Fingiu que não viu. Pensou na cidade que não se importava com seus dramas de paixão burgueses, enquanto meninos de dez anos faziam malabares em sinais indiferentes e dormiam num chão frio aquecidos pela cola.
É que... quem se importa? A navalha das reticências sempre corta novamente as cicatrizes. Queria estar junto às pessoas na sarjeta! MENTIRA! Era mais fácil se comprazer com a dor na sua cama de casal confortável, no seu apartamento de classe média com comida na geladeira e vinhos variados. O sofrimento era a moda do momento. Quem sofremos mais?
Os prédios, as calçadas, o cheiro fétido de urina que evapora do chão, eles não ligam pra você, Margareth! E quanto a mim? Quantas vezes realmente ligo pra eles? Eu finjo que sim, finjo que sempre. Sou gente boa, intelectual-consciente. Mas no fundo... é que... no fundo, sou só mais uma pessoa entre sete bilhões, só mais uma cara carioca tentando parecer diferente. Óculos redondos livro de Clarice numa bolsa oldschool sapatos com estampa de bolinhas uma saia rodada pra combinar fechando com batom da estação e bicicletinha vintage.
Da Cidade Maravilhosa? Seus amigos gringos sempre perguntam. Samba blocos de carnaval bossa nova em Ipanema Copacabana CO-PA-CA-BA-NA! Oh yeah, baby! Praia, sol, mar e tiroteio. Voltou à mensagem de Carlos. Jogou o telefone no chão com toda força e nem o maldito vidro quebrou. Se estivesse distraída na rua, olhando os anúncios de consultas com búzios e cartas que prometem seu amor de volta em três dias, ele teria se estilhaçado. De volta, só queria o amor próprio.
Olhou na parede o cartão postal que havia trazido de Viena. REVENGE? NAH, I’M TOO LAZY. I’M GONNA SIT HERE AND LET THE KARMA FUCK YOU. I’ll sleep and let the karma fuck you. Foi dormir. O sono resolve seus problemas... ou não. De qualquer modo, aquele outro amanhã seria mais um dos amanhãs do ano que nunca acaba. Feliz ano velho, feliz dia novo, nada ainda mudou. E jogou o corpo no colchão macio. 

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Ultrassonografia
A sala estava gelada. Depois de uma hora de espera, estava na hora. As mãos de Mariana suavam, ela apertou as pernas. A enfermeira pediu que fosse ao banheiro, tirasse a calcinha e aguardasse na salinha de espera. Aquelas paredes brancas causavam agonia e o cheiro de éter e álcool eram nauseantes. Mariana jamais gostou de hospitais. Para ela, eles eram como uma caixa de Pandora. Uma vez aberta, não havia como voltar atrás, todos os males do mundo a perseguiriam. Quando era adolescente e perguntavam qual seria sua carreira, sempre respondia que seria qualquer coisa que não envolvesse gente morta e, principalmente, seria qualquer coisa que não envolvesse gente viva.
Duas senhoras entraram na salinha de espera, Mariana fechou ainda mais as pernas e escorregou para a ponta da cadeira. Sua xoxota desnuda estava congelando naquela saleta que mais parecia o Polo Norte. Sorriu para as senhoras e pediu ao universo que ninguém reparasse que estava sem calcinha. “Dane-se” – pensou – “Todo mundo está aqui para a mesma coisa”. E sorriu mais uma vez para as senhoras. Elas sorriram de volta.
Mariana já havia feito vários exames de rotina antes, aquela não seria a primeira vez. Todo ano ia à ginecologista verificar como andava a saúde de sua vagina.  Enquanto esperava, pensou que aquela era uma palavra da qual não gostava. Achava formal, fria. Não conseguia olhar sua bela flor de lótus no espelho e dizer: “Olá, vagina”. Preferia xoxota, buceta, periquita ou talvez até pepeca, mas esse apelido soava infantil demais. Ficou por alguns minutos imersa em seus devaneios vaginais, precisava se distrair com alguma coisa, não queria pensar que em poucos minutos estaria em um consultório frio com uma completa desconhecida observando os confins do seu útero.
A enfermeira sorridente saiu do consultório e chamou seu nome. Mariana levantou da cadeira tentando parecer calma e confiante. “É apenas um exame” – refletiu consigo mesma – “Já fiz isso várias vezes”. Arreganhou a boca em dentes amarelos, entrou no consultório e tentou ser simpática. “Boa tarde” – disse à médica. Esta sorriu tranquila, já havia feito aquilo mais de cem vezes só naquela semana.
Mariana se sentiu num encontro fadado ao fracasso. Para a médica poderia ser a centésima xoxota semanal, no entanto, para ela era estranho abrir as pernas assim do nada, sem nem um encontro formal, sem nem um papo, sem sequer uma cervejinha no bar. Seus joelhos tremeram. Ela sentou na maca e sentiu o frio do colchão ir direto ao encontro da sua bunda. Respirou fundo. A enfermeira simpática pediu que deitasse, chegasse o corpo bem para frente e acomodasse as duas pernas nos suportes.
Mariana fez o que a moça pediu e pensou que era possível fazer uma panorâmica de sua vagina de tanto que suas pernas estavam abertas. A enfermeira, então, pegou um pênis gigante de plástico e uma camisinha fechada e mostrou a Mariana, que engoliu seco. Calmamente, a mulher abriu a camisinha, enfiou no objeto fálico e deu nas mãos da médica. Esta, alheia ao sofrimento de Mariana, mantinha um rosto blasé, fazia perguntas rotineiras e enchia o pênis mecânico de lubrificante.
Mariana observava aquilo tentando relaxar, estava se sentindo virgem de novo, sua xoxota estava trancada e seu coração palpitava. Estava a ponto de dizer: “Deixa isso pra lá, moça. Com a minha ginecologista, tudo bem, temos intimidade, mas com você... nem te conheço, nem batemos um papinho”.  Até que, de repente, sem nem ao menos uma olhadela, a médica introduziu nela o temido pau da ultrassonografia. Mariana sentiu o lubrificante gelado se espalhando até o fundo de seu âmago, enquanto a médica tagarelava sobre como adorava hospitais e sobre como, caso não tivesse seguido a medicina, teria sido professora de história.
O pênis mecânico vasculhava todos os cantinhos do sistema reprodutor de Mariana e ela olhava a tela do aparelho de ultrassonografia sem conseguir dizer o que eram as machas pretas e brancas. Não seria capaz de dizer onde estavam seus ovários. Em meio às amenidades, a médica disse a Mariana que seu útero era muito bonito. Mariana não tinha ideia do que isso queria dizer, mas agradeceu e até relaxou um pouco. Afinal, seu útero, além de funcional e de estar fazendo bem seu trabalho até aquele momento, também era bonito.
O procedimento acabou e a médica disse a Mariana que a ultra estaria pronta em uma semana. Mariana suspirou e se levantou da maca. Suas coxas se encheram de lubrificante gosmento. Ela pensou que tudo bem. Iria ao banheiro, limparia tudo e colocaria a calcinha com dignidade. Se tudo desse certo, só veria a médica novamente no próximo ano.  Saiu do consultório, havia sobrevivido. Sorriu. Apesar de tudo, finalmente ela havia descoberto, seu útero era lindo. Sentiu um profundo orgulho.



segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Elos



Tenho pensado muito bem:
Às vezes..
Valem mais minhas mãos em mim 
Do que as mãos de alguém.
Sem falso brio,
Num companheiro vazio,
Sem falso gozo. 
Vão-se os dentes amarelos,
Ficam os paralelos.
Os elos! Com meu bel prazer.