Encontro com Jorge
Caminhava
tranquilamente por aquela rua de Copacabana, não me lembro ao certo se era a
Nossa Senhora ou a Barata Ribeiro, mas isso não importa de fato. A noite era
amena e, embora eu precisasse chegar logo a Niterói, meus passos corriam
vagarosos enquanto eu observava as pessoas, a rua e a paisagem ao meu redor. Estava
pensando na vida, pensando em como tudo muda de maneira veloz, em como o mundo
nos engole com a ferocidade de uma besta de contos medievais.
Finalmente tinha
encontrado o ponto certo para o meu ônibus. Com tantas mudanças nas linhas de
transporte, confundi-me e andei quilômetros até encontrar o lugar exato onde
parar. Com uma mochila pesada nas costas e cheia de sacolas nas mãos, decidi
sentar um pouco e apoiar aquele peso em um canto qualquer.
Foi então que algo incrível aconteceu. Uma
senhora que também esperava no ponto colocou um livro em cima do banco em que
eu estava sentada e saltou para dentro de seu ônibus. Não entendi nada e antes
que ela pudesse partir, disse-lhe que estava esquecendo um livro. Ela virou-se
rapidamente e falou que já tinha aquele exemplar e que deixaria aquele outro ali
para quem quisesse levá-lo.
Fiquei extasiada! Eu
que sempre tive paixão por livros, ganhava um no local mais inesperado do
mundo, uma paragem de ônibus. E não era só isso, aquela não era uma obra
qualquer, era a Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado.
Foi amor à primeira
vista. Apaixonei-me por aquela capa envelhecida e vermelha com o nome de Jorge
cravado diversas vezes. Olhei com carinho o título pequenino ao lado, dourado e
encantador. Folheei as páginas amareladas, marcadas pela força do tempo, como
se aquele livro contivesse os desejos e a imaginação de muitos. Consegui sentir
o que os que o leram antes de mim sentiram. A ânsia de continuar devorando as
palavras e conhecendo um pouco mais as igrejas,
as macumbas, os terreiros, as comidas típicas, a lavagem da igreja de Nosso
Senhor do Bonfim, mas, ao mesmo tempo, uma vontade de que aquela experiência
única de lugares e personagens não acabasse nunca.
Esqueci que tinha um
caminho a fazer, esqueci das sacolas, esqueci até mesmo de mim, só conseguia me
concentrar naquele novo mundo que se abria bem diante dos meus olhos. Seus
cheiros, visões e sabores, os quais eu quase podia tocar, como se fossem velhos
amigos de infância, velhos conhecidos de outrora. Cada vez que abria o livro,
sentia-me como Alice, Alice na cidade de São Salvador, Alice de todos os
Santos. Por que não? Afinal, o País das Maravilhas fica onde menos se espera,
em todos os lugares ou em lugar nenhum.
Em meio aos meus
devaneios de coelhos, cartolas, terços e oferendas, senti a mão de um homem em
meus ombros e ouvi de longe sua voz dizendo que estava tarde e que o ponto
estava ficando vazio. Sem pensar muito, acabei perguntando seu nome. “Jorge”,
ele me respondeu. Sorri como alguém que guarda um segredo só pra si e agradeci
ao homem, ao amado, ao bem amado. Entrei no ônibus que chegava, pensando na
mágica da leitura, naquela força sobrenatural que faz com que você se sinta
como um bebê que saiu do útero de sua mãe e abriu, pela primeira vez, seus
olhos para os descobrimentos e interrogações de um universo que te traga, te
interroga e te deslumbra.
2 comentários:
Repito aqui o que disse quando você postou isso no facebook: Adorei o texto. Ele é envolvente, bonito, sublime e é um relato bem apaixonado do encontro com um escritor como Jorge Amado. O final deu aquele tom de devaneio que inspira uma nostalgia estranha (em mim pelo menos).
Agora vá ao Facebook e veja se ALGUMA coisa do que eu disse aqui está lá, ahuahuahuhauhau!
Espero que seja o início de uma saga! Curti muito. Sou fã de contos, aguardo o próximo! :)
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